O designer deve ser livre para criar?
- Renato Ferreira Pedroso
- 24 de mai. de 2017
- 6 min de leitura
“Uma série de esboços rápidos e ostensivamente indisciplinados certamente não sugerem nenhum tipo de rigor intelectual.” – Donis A Dondis
Falaremos agora de um assunto deveras polêmico no meio do design, hoje diversos designers trabalham no modo “freedom”, dando-se a liberdade artística para criar e estabelecer composições sem se preocupar com representações. Então surge à pergunta: O designer deve ser livre para criar e compor artes como bem entender ou ele deve seguir uma linha de regra? E até onde é permitido ao designer, criar com total liberdade (se é que existe esse limite)?

Uma comparação muito comum que designers fazem é criar uma relação entre projetos de design gráfico e clássicas obras de arte.
Muitas vezes os designers comparam seus trabalhos com uma suposta filosofia liberal de movimentos artísticos e expressões feitas por pintores como se fosse válido da mesma maneira. Porem será mesmo válido da mesma maneira ou o objetivo é muito diferente um do outro? Bom, não vou dar minha opinião sobre todas as respostas aqui agora, vamos primeiro falar um pouco mais sobre assunto...
Antes de mais nada, gostaria de dizer que este post é quase um oferecimento ao escritor e professor de Boston, Donis A. Dondis, que discorre muito bem sobre esse assunto em seu livro Sintaxe da linguagem visual. Caso você tenha interesse em adquirir algum dos livros mencionados aqui, deixarei no final um link para que você possa adquiri-lo.

Mas voltando ao assunto designer/pintor. Primeiramente, se comparar a um pintor, desses que a esmagadora maioria vê as obras como apenas um borrão sem significado, além de ser um baita de um auto ego, é também subestimar a níveis absurdos o profissionalismo e o dom desses pintores que, quando não tinham uma educação visual extrema, com os melhores professores particulares e nas melhores instituições, nasciam com o que chamamos de dom! E isso não é herdado, nem conquistado, ou você tem ou não tem. Um bom exemplo disso é que se pode observar a perfeita utilização de cores complementares, análogas e etc, em um período onde nem existia o circulo cromático.
Donis escreve um pouco sobre essa comparação da seguinte forma:
“O talento, o controle artístico do meio de expressão e a intuição costumam ser vistos de um modo um tanto confuso. De fato, o que chamamos de intuição na arte é uma coisa extremamente ilusória. A raiz latina do termo “intuitus”, significa “olhar ou contemplar” e inglês significa “conhecimento ou cognição sem pensamento racional”. Nas questões visuais, a apreensão imediata de significado faz com que tudo pareça muito fácil para ser levado a sério intelectualmente, e comete-se com o artista a injustiça de privá-lo de seu gênio especial."
Posso complementar um pouco essa ideia com o ponto de vista de Susanne Langer em seu livro “Problems of Art” no qual ela diz que “Faz-se um quadro distribuindo-se pigmentos sobre um pedaço de tela. A imagem que emerge do processo é uma estrutura de espaço, e o próprio espaço é um todo emergente de formas, de volumes coloridos e visíveis. A arte e o significado não se encontram na substância física, mas sim na composição. A forma expressa o conteúdo. Artisticamente bom é tudo aquilo que articula e apresenta um sentimento a nossa compreensão.”

Em outras palavras você pode se expressar com liberdade, mas essa expressão deve apresentar um sentimento, e para isso deve ser primeiramente premeditado, é importante escolher transmitir o sentimento e qual sentimento, e a partir disso desenvolver a arte, desde que seja moldada pelo conteúdo. Expressar uma mensagem depende totalmente de compreender e ter capacidade de usar técnicas visuais, os instrumentos da composição visual.
Em seu livro, “Elements of Design”, Donald Anderson observa: “A técnica é às vezes a força fundamental da abstração, a redução e a simplificação de detalhes complexos e cambiáveis a relações gráficas que podem ser apreendidas – à forma da arte”.
Pergunte-se a si mesmo, em seus projetos de design você planeja o que vai fazer primeiro ou simplesmente faz e apresenta para o cliente o que é mais “agradável”? Por favor, seja bem crítico e sincero com relação a essa pergunta.
A linguagem visual
“Existe, porém, uma enorme importância no uso da palavra "alfabetismo" em conjunção com a palavra "visual". A visão é natural; criar e compreender mensagens visuais é natural até certo ponto, mas a eficácia, em ambos os níveis, só pode ser alcançada através do estudo. Na busca do alfabetismo visual, um problema deve ser claramente identificado e evitado.
Dondis faz uma comparação muito importante entre alfabetismo visual e alfabetismo verbal, porém ele insere diferenças entre os dois que não estão corretas, por exemplo, no texto ele diz que.
“A escrita não precisa ser necessariamente brilhante; é suficiente que se produza uma prosa clara e compreensível, de grafia correta com sintaxe bem articulada. O alfabetismo verbal pode ser alcançado num nível muito simples de realização e compreensão de mensagens escritas. Podemos caracterizá-la como um instrumento. Saber ler e escrever, pela própria natureza de sua função, não implica a necessidade de expressar-se em linguagem mais elevada, ou seja, a produção de romances e poemas.” E complementa logo em seguida com “o alfabetismo visual, jamais será um sistema tão lógico e preciso quanto à linguagem”.
Isso está em sua essência errado, o ponto de diferença que é inserido aqui é na verdade um ponto de paridade. A linguagem é perfeitamente semelhante ao alfabetismo visual. Aqui Dondis coloca erradamente as mensagens escritas como “um instrumento”, e este “preconceito” por assim dizer, pode ser contradito por Louis-Jean Calvet em seu livro “Socioliguística, uma introdução crítica” onde ele descreve que “Uma das reservas que se pode manifestar contra as definições da língua que a reduzem a um “instrumento de comunicação” é que elas podem levar a crer em uma relação neutra entre o falante e a língua... Com efeito, existe todo um conjunto de atitudes, de sentimentos dos falantes para com suas línguas, para com as variedades de línguas e para com aqueles que a utilizam, que torna superficial a análise da língua como um simples instrumento.”
Dondis também ignora o ponto do analfabetismo funcional. Não basta saber codificar a linguagem, você deve saber interpreta-la também. Além do mais, a linguagem não é um sistema lógico nem preciso, pelo contrário, assim como o design a linguagem é convencional e social.
Ou seja, assim como é importante termos a linguagem bem desenvolvida também devemos desenvolver o nosso alfabetismo visual.
Peças gráficas devem ter a capacidade de serem lidas e interpretadas, quando digo “lidas” não me refiro ao texto inserido, mas sim na própria arte, nas cores, nas formas, na disposição de elementos, em toda a Semiótica e Gestalt envolvidas.
“O conteúdo é fundamentalmente o que está sendo direta ou indiretamente expresso; é o caráter da informação, a mensagem. Na comunicação visual, porém, o conteúdo nunca está dissociado da forma.”
Vejam por exemplo um carro. Todo seu aspecto visual se limita a condições de resultado que o carro precisa oferecer, como aerodinâmica, velocidade, economia, etc. Esses são aspectos imutáveis, o design nunca deve interferir nessas condições, mas também existem os aspectos moldáveis (porem restritos) de direcionamento do público, por exemplo, se o carro será um carro de luxo, um carro esporte, um carro masculino ou feminino, etc. Observe que nesse tipo de projeto, todo o aspecto visual é baseado em conteúdo, nada é feito com “liberdade artística”, a arte existe, mas ela é feita para se adequar ao objetivo. E é esse visual que irá transmitir todos esses conceitos para o público, que irá interpretar os conceitos mediante o design. Dondis nos apresenta uma “fórmula” que nos ajuda a compreender melhor esse assunto.

“O resultado final de toda experiência visual, na natureza e, basicamente, no design, está na interação de polaridades duplas: primeiro, as forças do conteúdo (mensagem e significado) e da forma (design, meio e ordenação); em segundo lugar, o efeito recíproco do articulador (designer, artista ou artesão) e do receptor (público). Em ambos os casos, um não pode se separar do outro. A forma é afetada pelo conteúdo; o conteúdo é afetado pela forma. A mensagem é emitida pelo criador e modificada pelo observador."

“Há linhas gerais para a criação de composições. Há elementos básicos que podem ser aprendidos e compreendidos por todos os estudiosos dos meios de comunicação visual, sejam eles artistas ou não, e que podem ser usados, em conjunto com técnicas manipulativas para a criação de mensagens visuais claras. O conhecimento de todos esses fatores pode levar a uma melhor compreensão das mensagens visuais.”
“O significado, porém, depende da resposta do espectador, que também a modifica e interpreta através da rede de seus critérios subjetivos.”
Gostaria de finalizar esse assunto então com um último trecho de Dondis: A inspiração súbita e irracional não é uma força aceitável no design. O planejamento cuidadoso, a indagação intelectual, e o conhecimento técnico são necessários no design e no pré-planejamento visual. Através de suas estratégias compositivas, o artista deve procurar soluções para os problemas de beleza e funcionalidade, de equilíbrio e reforço mútuo entre forma e conteúdo.
E você? Concorda que o design deve ser sempre projetado para moldar o conteúdo? Ou acha que isso já não é mais valido e que a demanda não nos permite dar ao luxo de projetar, de fazer o verdadeiro design? Deixe seu comentário e vamos conversar!
Livros mencionados no texto:
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